31.12.09

2010 i l Nino Jasus de la Cartolica

Uns tiempos atrás andaba iou a saber de la cuonta de Nino Jasus de la Cartolica na lhéngua mirandesa i nun la achei. Solo an pertués ye que la bi na anterneta. Assi, i cume esta ye ua lhenda de spráncia i un bózio cuontra todo l que achamos perdido, eiqui la traio neste cibo que sobra de 2009 cul deseio que 2010 seia l melhor anho que cada un puoda querer.

“La lhenda de l Nino Jasus de la Cartolica ye de l anho de 1711 (mil sietecientos i onze) quando Miranda de l Douro staba arrodiada de tropas spanholas i quaije a cair nas manos deilhes porque las sues muralhas eran de muita amportáncia estratégica. L pobo nun tenie ganas de lhuitar porque yá muitos meses que la cidade staba cercada i l eisército que debie de ajudar aquel pobo, benido de Algoso, Outeiro, Peinhas Róias, Mogadouro i Bregáncia nunca más chegaba.
Anton, un nino çcuincido, c’un chapéu de palhas, botou-se a correr pulas rugas gritando acuontra ls spanholes i chamando las personas para lhuitar i defender la cidade. Nistante saliu todo mundo, cun çacholas, machadas, tornadeiras, roçadeiras, fouces i gadanhas, l que tenien a la mano i que pudisse ajudar na batalha, ounindo-se a ls soldados yá cansados e çfalhecidos. Todos juntos ampuntórun las tropas spanholas para fuora de las tierras de Miranda i quando la batalha acabou, las personas buscórun l nino refilon i abintureiro que ls habie ajudado. De nada l baliu i naide l achou, habie dzaparcido.
L pobo ancreditou-se que habie sido l Nino Jasus que eilhi apareciu para salbar la cidade. I lhougo mandórun fazer ua eimaige para poner nun altar de la Sé Catedral. Nesse antretiempo, ua rapaza que na mesma batalha habie perdido l moço, un oufecial de las tropas pertuesas, fizo ua farda de capitán i dou-la al nino. Dende naciu la tradiçon de l dar roupas. Cunta-se que puode poner ua defrente todos ls dies. Muitos anhos aspuis achórun que l chapéu de palha nun quedaba bien cula nobreza de la farda brumeilha de melitar nien tampouco cula posiçón de quemandante i ponirun-le ua cartola.
I que bien que le queda!”


Buonas tardes
i melhores antradas no anho nuobo.

29.12.09

Noite de consoada


A St-Laurent estava quase deserta. Não fossem os enfezados enfeites luminosos, a pingar das árvores despidas e famélicas, que pintalgavam os restos de neve arremeçados contra os bordos dos passeios, nem se acreditaria que era a noite de consoada.
O homem, ainda novo, quarenta anos mal feitos, caminhava com passada mole, sem destino, num remar cansado contra a noite infindável. Vergavam-no o peso das recordações que lhe tinham cravado a dentuça no pescoço e teimavam, raivosas, em não lhe dar tréguas.
As mais antigas, nebulosas mas ainda assim felizes, eram fragmentos cada vez mais esboroados das consoadas da infância em Miranda: a crepitante fogueira acesa pelo entusiasmo da rapaziada, carradas e carradas de lenha queimadas num imenso braseiro que alimentavam noite fora as labaredas esfomeadas de chegar ao céu; a missa do galo, na Sé enregelada, com a ladainha do padre a ressoar pelas imensas naves , tão interminável que até impacientava o seráfico Menino Jesus da Cartolinha como sempre regaladamente instalado na sua guarida; o silente regresso a casa, a paz pousada como pombas brancas nos beirais dos telhados, os passos a ressoar nas pedras lisas e escorregadias da calçada medieval.
Nos primeiros anos em Montreal, lar de imigrantes aturdidos em busca de sentido para a nova vida, eram noites tristes, cheias de saudades mal saradas, de lágrimas furtivas da mãe sufocadas pelos cantos da casa, disfarçadas por sorrisos apagados.
Já homem feito, numa fuga constante às fragilidades coladas para sempre à pele, as noites de consoadas eram passadas, nas mais diversas e inesperadas circunstâncias, ao sabor das suas relações amorosas frívolas, inebriantes, sem cadeias. Quando as coisas corriam para o torto, havia sempre os braços abertos da casa dos pais, as eternas bolas mirandesas, o calor duma alegria mais resignada e o vozeirão sadio do pai repleto de recordações. Era a elas que se agarravam todos com a fúria de náufragos num mar estranho a que nunca pertenceram por inteiro.
Estava, agora mesmo, a ouvir a voz do pai: que rapaz este, recordas-te mulher?, não havia presente de Natal que lhe servisse. Só tinha olhos para os canivetes mirandeses, até lhe saltavam os olhos da cara quando via um nas mãos de alguém. Ainda mal se sustinha nas pernas, parecia um cachorrito a saltar atrás de quem lhe mostrasse o dianho dum canivete. - As palavras rudes ensopavam-se de lágrimas ternurentas. - Nunca vi uma coisa assim, o garoto parecia enbruxado.Como é que se podia dar um brinquedo desses a uma criança! Só se fôssemos doidos..
A mãe, sombra diáfana, sorria, passava-lhe a mão protectora pelos cabelos e, sem que eles se apercebessem, ia-se despedindo aos poucos do filho, do marido, soltas, desde há muito, as amarras ao cais da vida.
O falecimento dos pais quebrara a derradeira ligação umbilical aos prados floridos da infância. O fascínio dos canivetes fora, para sempre, assim o acreditara,vencido pelo do mistério das mulheres. Mas com o correr da vida, principalmente nesta época do ano, face a face com as recordações assanhadas, cada vez se apercebia, com mais crueza, da fraqueza das raízes que o agarravam ao chão que pisava, da sua solidão. Uma solidão imensa, dolorosa, que lhe perfurava as entranhas e abria sulcos profundos de tristeza que nada, nem mesmo as mais envolventes aventuras amorosas, podia sarar.

Quando chegou ao Parc du Portugal, as pernas trémulas recusaram continuar a caminhada sem norte, forçaram-no a sentar -se num banco mesmo à beira do fontanário donde o leão de pedra da bica, seca nesta época do ano, o observava meio intrigado. Mais à frente, o padrão dos descobrimentos, esguio e esbranquiçado, na sua frieza pétrea, era sentinela vigilante, indiferente à sua presença. No telhado do coreto, os pombos encolhiam-se uns contra os outros para se protegerem do frio cortante e também não lhe prestavam atenção. Só o manto de neve que cobria a calçada do parque é que rastejava ao seu encontro para o envolver no seu abraço frígido.
Enregelado, estava disposto a erguer-se, prosseguir o calvário da caminhada, quando, assombrado, pressentiu um vulto sentado a seu lado. Sem pinga de sangue, olhos dilatados de espanto, reconheceu logo a figura inconfundível do Menino Jesus da Cartolinha: rosado, a cartola na cabeça, todo aperaltado na sua farpela de cetim bordado a oiro dos dias de festa, um sorriso fraterno desenhado nos lábios infantis.
A um gesto do Menino, o parque animou-se rapidamente. Um grupo de anjos desceu do céu, instalou-se no coreto com um farto instrumental de harpas, cítaras e flautas que encheram a noite com a magia da sua música celestial. Logo de seguida, dois outros anjos, surgidos do frio, desdobraram alva toalha de linho sobre a neve e serviram em silêncio, uma frugal ceia de consoada composta de pão de centeio, salpicão e presunto.
O Menino, sorridente, retirou da algibeira da casaca um belo canivete de cabo de madeira esculpido que ofereceu ao homem.
- Reconheces? É o canivete dos sonhos da tua infância. Podemos começar a cear.
O homem lentamente, num ritual litúrgico, a saborear cada instante, cortou o pão em longas e suculentas fatias, o salpicão em rodelas finas e sumarentas, o presunto em lascas rosadas, com firmeza e uma sabedoria que só podia nascer do fundo da memória ancestral.
Faltava o vinho mas logo da boca do leão do fontanário começou a jorrar um bica-aberta fresco e capitoso que recolhiam na concha das mãos e sorviam deliciados.
Finda a ceia, os anjos recolheram os restos das vitualhas e os instrumentos musicais e evolaram-se, sem ruído, nas profundezas da noite. O Menino Jesus da Cartolinha, um tudo nada mais corado pelos efeitos do vinho, demorou um último olhar nos olhos do homem e preparou-se para partir também.
- O canivete - balbuciou o homem.
A suave mão do Menino aflorou-lhe o ombro.
- É teu. É o teu presente de Natal.
Quando, instantes depois, com passo firme e decidido, o homem regressou ao seu apartamento, com o canivete no fundo da algibeira, era a criança mais feliz do mundo.

14.12.09

Curso de mirandés

La Associaçon de Lhéngua Mirandesa bai a ampeçar un nuobo curso de einiciaçon a la lhéngua mirandesa (fala i scrita).
L curso bai a ampeçar ne l die 6 de Janeiro de 2010 i será dado todas las quartas antre las binte i las binte i dues horas, cuntinando até la fin de júnio de l mesmo anho.
L curso bai a ser dado na Oxford School, na Abenida Marqués de Tomar, an Lisboua, tenendo cumo porsores Amadeu Ferreira i Francisco Domingues.
Las anscriçones puoden ser feitas pa la caixa de correio cursomirandes2@gmail.com L númaro de anscritos será lhemitado, de modo a que puoda funcionar bien.
L curso tenerá cumo blogue oufecial http://cursodemirandes.wordpress.com Ende se passará a falar de todo l que antressa al curso, se publicaran testos i se fazerá muita de la quemunicaçon antre ls partecipantes ne l curso.

L curso será de grácia.

8.12.09

Al correr de la bida - Padre Zé por el mesmo (II)

Anhos setenta de l passado séclo
Tiu Claudino Chaina - cunhado, Tiu Albino Modarra - pai, Tie Prudéncia - armana - Padre Zé

(cuntinuaçon)
Cinco anhos despuis, mie mai achou-se outra beç anferma. Todo l santo die se queixaba i lhastimaba. Arrimaba-se a las paredes gemendo i you dezie-le: ide pa la cama. Porque nun ides pa la cama? A la nuite apareceiu mie abó Pordéncia, mai de mie mai, i dixo:
- Los rapazes bénen cumigo, ban a quemer i drumir a mie casa que eiqui hoije nun se puode drumir.
Alhá fumos. Na manhana seguinte chegou miu tiu Juan Manulon, armano de mie mai, Eimília Manolona i dixo: Buossa mai, hoije a la nuite, tubo ua nina mui guapa. Quemei i bamos a bé-la. I alhá fumos. La mie prima dixo: Tenes ua armana mui guapa, bieno esta nuite nun barco pul riu abaixo i buosso pai fui alhá a buscá-la i trazé-la para casa. Miu armano dixo: Que la métan outra beç no barco i que la boten pul riu abaixo. You peguei na nina pa la arrolhar. Assi nó, dixo mie prima, la mano squierda pon-se por baixo de la cabeça senó pon-se zmanchada.
Passiei cun eilha no sobrado. Trata-se agora de l poner un nome, dixo miu pai. Bai-se a chamar-se Raquel i dixo la mie prima: Raquel Raque Raqu!!! Isto ye nome de giente? Parece l nome de los ratos a rober. – Çque you estube an Santulhão i an Carção i habie alhá ua moça mui guapa i prestable i you gustei desse nome.
I dixo mie abó: You sou Prudéncia i solo hai más ua eiqui no lhugar, gustaba que houbisse outra para l nome nun acabar. Por fin miu pai dixo: será anton Prudéncia da Conceição.
Dá-se un causo mui ralo nas famílias, na mie, los trés nacimos nun die 18 de l més: you a 18 de Nobembre, cume dixe; miu armano a 18 de Maio, mas no belhete d’eidentidade ponírun l die 19 porque talbeç naciu aspuis de la meia nuite; mie armana a 18 de Márcio. Más tarde, mie armana más nuoba eirá a nacer l die 18 de Júnio de 1936, yá you andaba no seminairo, Einácia.
La mie prima Bárbela naciu no mesmo anho que you, an Márcio, i you an Nobembre, uito meses de defréncia. An pequeinhos andebimos siempre juntos i eilha era afelhada de mie mai. A las bezes antraba an mie casa i iba chamando: Á madrina, á madrina. You pensaba que mie mai nun podie ser sue madrina porque era mie mai. Iba i ponie-me a la frente deilha: Nun puode ser tue madrina, ye solo mie mai. Chegou a tener miedo de mi i antes de antrar miraba a ber se you staba. Parecie-me que debie chamar tie Eimília ou anton la mai de Jesé: ciúmes de nino assi cume you tube ciúmes de l mono que bieno aspuis de mi i cume miu armano tubo de mie armana: Botai-la outra béç al riu. Cume mie armana Prudéncia tubo ciúmes, que para cuidar de Einácia i por esso tubo que deixar la scuola.
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Buonas tardes
i buonas leituras

7.12.09

Al correr de la bida - Padre Zé por el mesmo (I)

You naci an Cicuiro an 18 de Nobembre de 1920.
La mie tierra ye pequeinha, talbeç de las más pequeinhas, mas tenie i ten trés nomes: Cicouro, an pertués; Cicuiro, an mirandés; i Cicuero, an castelhano. Stá a menos de 1 km de la raia, nua sierra que ten l mesmo nome. L sou nome, dízen, ben de l lhatin chicorium, de l grego kicoriun i no plural cicoria. Diç Leite de Vasconcelos que eilhi habie muita chicória (ua alface más dura que la normal i que purifica l sangre). Éran ls monjes de Moreiruola que la trabalhában cul nome de quinta San Juan. La sierra a que stá abrigada ten 4 Km de cumprido – ouriente poente – i ten 920m de altitude ne l termo de l Castielho.
Cicuiro i Custantin, a 3Km un de l outro, formában ua freguesie an que la cabeça staba an Cicuiro i los pies an Custantin. Mui mal, porque la Junta quedaba an Custantin i l Regidor an Cicuiro. Aquilho nun andaba nien zandaba.
Mius pais dórun-me un nome que ye más quemun do que próprio: José Francisco Fernandes. Hai ne l cunceilho de Miranda más de duzientos cun este nome. Solo citando ls pais se çtínguen i an berdade este miu nome fai un berso de siete sílabas: José Francisco Fernandes. Quando fiç las bodas de diamante – sessenta anhos de missa – acrecentei l nome de Juan. Hai apelhidos an Cicuiro cun esse nome. L miu tiu Manulon, chamaba-se Juan de Dius Juan. Mie mai Eimilia Rosa Juan.
Las mies purmeiras lhembráncias: na nuite eisata an que fiç dous anhos i meio dou-se un causo na casa de mius pais que solo cula muorte you squecerei. You cunto: mius pais drumien na sue cama i you nua xerga de l miu tamanho, no suolo de l sobrado para nun me cair. A altas horas de la nuite c’ua lhuç acordei i culas falas que habie no sobrado. Abri los uolhos i beio anton miu pai c’ua candeia de azeite acesa i alhebantado. Dues ou trés mulhieres an buolta de mie mai de piernas stendidas. You preguntei: que stais a fazer? Ides a cortar ua pierna a mie mai? Bamos si, mas tu agora tapa-te i drume senó cortamos-te tamien ua pierna a ti. Nó, nó, you nun quiero. Tapei-me i drumi. Nas manhanas seguintes bi que mie mai tenie las dues piernas cume you. Antón nun la cortórun? Bi que eilha traie un mono de palo, assi me pareciu, agarrado i anrebulhado nun xal. Bie que chubie i abaixaba las scaleiras. Aquel mono de palo que mie mai siempre traie anrebulhado no xal i nun lo lhargaba más (a mi ye que me lhargaba) abrie i cerraba los uolhos. You fiç un malo juízio, mie mai até parecie tonta cuidando tanto daquel mono i a mi deixaba-me d’aparte … cunfesso, á mai que a los dous anho i meio tube un malo pensamiento, perdonai-me alhá de l cielo. Las mais perdónan siempre a los filhos, mas nun sei porquei dar tanta amportáncia a un mono i a mi deixar-me de parte. Más tarde pensei que se calhar aquel mono era giente cume you i que haberie no mundo outras gientes cume you i que nun staba solo neste mundo. L mono que abrie i cerraba los uolhos era miu armano Abílio a que mie mai cun muitos beisos le habie dado la bida.
Purmeira parte de l testo publicado na fuolha mirandesa de l Jornal Nordeste an 17-11-2009